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Indústria porto-petroleira ignora comunidades que vivem nas áreas cobiçadas

O choque foi tamanho que o estudo, de caráter estritamente econômico e regional, suscitou uma pesquisa socioambiental, senão inédita, certamente rara no Espírito Santo, em que foram identificadas mais de uma dezena de comunidades completamente invisibilizadas nos licenciamentos ambientais dos empreendimentos portuários e petrolíferos já instalados ou com pretensões de se instalarem no litoral capixaba.  

Barreiras, Itaúnas e Riacho Doce, em Conceição da Barra; São Miguel, Nativo, Gameleira, Ferrugem e Campo Grande, em São Mateus; Pontal do Ipiranga, Urussuquara, Areal, Entre Rios e Degredo, em Linhares; Reserva Indígena de Comboios, em Aracruz; comunidade de pescadores de Itapuã em Vila Velha; e dezenas de outras comunidades pesqueiras no município de São Mateus. 

Essas são algumas das comunidades identificadas pelo geógrafo Francismar Cunha Ferreira como invisíveis aos olhares oblíquos dos empreendedores porto-petroleiros. O trabalho se deu no âmbito de sua tese de doutorado no Laboratório de Estudos Urbano-regionais, das Paisagens e dos Territórios (Laburp) da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), coordenado pelo professor Cláudio Zanotelli. 

O objeto de estudo inicial era a história da Petrobras no Espírito Santo, mas, ao analisar os Estudos e Relatórios de Impacto Ambiental (EIA-RIMAs) e participar de eventos econômicos do setor, Francismar percebeu a falta de humanidade que caracteriza a atividade de mineração e portos.  

“No decorrer das pesquisas, fui identificando uma série impactos sociais e ambientais da atividade petroleira. Assim eu construí um mapeamento que sintetiza a violência da exploração de petróleo sobre as comunidades e as áreas de proteção ambiental. As comunidades ficam sabendo dos empreendimentos pela mídia, não há diálogo. Os empresários negam a existência das comunidades”, afirma o doutorando, citando relatórios não só da Petrobras, mas também da Petrocity, Liquiport (projeto da Odebrecht) e de outras empresas.

Sobreposição 

Uma das imagens mais didáticas e chocantes é a sobreposição, em um único mapa, de toda a infraestrutura da indústria do petróleo no Espírito Santo, as comunidades e as áreas de proteção ambiental (mapa abaixo)

O mapeamento teve duas etapas, explica o geógrafo. A primeira, feita a partir de relatórios da Petrobras, com a indicação de poucas comunidades. A segunda etapa foi uma atividade de campo no norte do Estado, junto com a professora Simone Raquel Batista Ferreira e outros professores da Ufes de São Mateus vinculados ao Observatório de Conflitos no Campo, onde foram identificadas e mapeadas dezenas de outras comunidades até então invisíveis. 

Nesse trabalho, em uma conversa com moradores de São Miguel – comunidade que foi invadida por bombas cavalo-de-pau, oleodutos e a Estação Coletora de São Mateus (Estação SM-08) – lembra Francismar, uma senhora, ao olhar para um banner com uma imagem aérea da região, pediu que fosse feito um mapa que mostrassem a comunidade, pois ela nunca havia visto a sua localidade num mapa. “O pedido dela foi prontamente atendido, e em nosso mapeamento não entrou somente a comunidade de São Miguel, mas todas as demais comunidades entre Aracruz, Linhares, São Mateus e Conceição da Barra”, conta.

Impactos tendem a aumentar 

Os impactos ambientais e sociais do passado, no presente e possíveis de acontecer sobre as comunidades e o meio ambiente são inúmeros, alerta o pesquisador. “Entretanto, essa situação pode ser ainda mais agravada em função da política atual de privatização dos campos onshore da Petrobras”, adverte, referindo-se aos leilões dos chamados “poços maduros” que a petroleira tem no continente.

E que impactos são esses? “No território por onde essas atividades se desenvolvem tem-se uma série comunidades indígenas, quilombolas e pescadoras que tem seus direitos violentados e ignorados”, dispara o acadêmico. “Muitas dessas comunidades têm seus territórios feridos por poços de exploração e produção, pela implantação de gasodutos e oleodutos, diversas bombas cavalo-de-pau, estações coletoras etc.”, descreve. 

Essas estruturas, prossegue, produzem impactos em diversas ordens como: limitação do uso do território: áreas das comunidades passam a ter acesso restrito ou até mesmo proibido; alteração radical da paisagem: cria-se uma paisagem do petróleo com objetos técnicos que não se relacionam com as identidades e o cotidiano das comunidades; riscos: todas as comunidades acabam sendo colocadas em uma área de risco, seja de explosões, vazamentos, contaminações etc. (veja mapa de acidentes acima). No caso das comunidades pesqueiras têm-se ainda as restrições de suas áreas de pescas e a destruição da fauna marinha, acrescenta.

Números e nomes 

Em sua pesquisa econômica, Francismar levantou números e nomes do petróleo e gás no Espírito Santo. Em 2018, o estado produziu 3.462,88 milhões de metros cúbicos de gás e 122.309 milhões de barris de petróleo, segundo dados da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). 

Essa produção ocorre tanto em campos terrestres (31,1 milhões m³ de gás e 3,58 milhões de barris de petróleo) e marítimos (3,43 milhões m³ de gás e 118,72 milhões de barris de petróleo) e faz do Espírito Santo o segundo maior produtor de petróleo do Brasil, atrás do Rio de Janeiro, e o quarto maior produtor de gás do Brasil, atrás do Rio de Janeiro, São Paulo e Amazonas.

A infraestrutura e as plantas industriais necessárias à exploração estão em terra e no mar (veja mapa abaixo). No continente, elenca o geógrafo, são dezenas de bombas de vareta de sucção (bombas cavalo-de-pau), centenas de quilômetros de gasodutos, sete estações coletoras, três terminais de movimentação de produtos, duas Unidades de Tratamento de Gás (UTGs), duas estações de compressão, uma base de apoio aéreo para embarque e desembarque de trabalhadores para as plataformas no aeroporto de Vitória e apresenta uma Unidade de Operação (UO-ES) da Petrobras. No mar, tem-se mais de 400 km de gasodutos e a presença de sete plataformas de produção de petróleo e gás, sendo seis controladas pela Petrobras e uma pela Shell. 

Além da Petrobras, responsável pela grande maior parte da produção de petróleo e gás do Estado e pelas infraestruturas e plantas indústrias das atividades petrolíferas, e da Shell, Francismar identificou ainda, nos campos em onshore (em terra), a americana Central Resources do Brasil, as capixabas Vipetro Petróleo e IPI Exploração de Petróleo, e a alagoense Petrosynergy. E, na exploração offshore próximo ao Parque das Baleias nos campos Ostra e Argonauta, tem-se a anglo-holandesa Royal Dutch Shell. 

Em breve, antevê o pesquisador, novas empresas devem se somar ao elenco, em função dos leilões da 14ª Rodada sob o regime de concessão para o pós-sal realizado pela ANP em setembro de 2017. Nesse leilão, blocos terrestres ofertados foram adquiridos pelas empresas capixabas Imetame, Bertek Petróleo e Vipetro e a mineira Cowan. Os blocos offshore foram adquiridos pelas multinacionais Repsol (Espanha), ExxonMobil (EUA), CNOCC Petroleun (China). 

O Espírito Santo tem ainda, finaliza Francismar, outros blocos offshore que foram ofertados nos leilões da 6ª rodada de concessão em 2004 e da 11ª rodada em 2013. Da 6º rodada têm-se blocos adquiridos pela Petrobras e pela norte-americana Anadarko (comprada pela Occidental Petroleum). Da 11ª rodada têm-se seis blocos, sendo que um foi adquirido pela Petrobras e cinco pela norueguesa Equinor.

 

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